O texto de hoje é dedicado a todos os
apaixonados pela história de Bentinho e Capitu, àqueles que, assim como eu,
também foram arrastados pelas páginas desse romance com a “força que nos arrasta
para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca”.
Um
dos meus livros favoritos, Dom Casmurro de Machado de Assis, foi publicado pela
primeira vez em 1899, e é um romance realista de extrema importância para a literatura
nacional. Dividido em 148 pequenos capítulos, o livro é narrado em primeira
pessoa, o que faz com que o leitor se conecte ainda mais profundamente com o
personagem central.
Machado de Assis conduz com maestria um texto
completamente metalinguístico, construindo uma narrativa em que o
personagem-narrador conversa diretamente com o seu leitor.
A
intensidade dramática do ciúme faz dele um tema atraente para diversas obras
literárias. Em Dom Casmurro, o sentimento é o tema principal, que costura todas
as ações.
Dom Casmurro não é apenas um livro sobre uma mulher. Capitu é uma mulher vista através dos olhos de um homem ciumento. O leitor não sabe nada sobre Capitu a não ser pela narrativa e fantasias de Bentinho, assim, ela permanece inacessível para nós.
Bentinho
é um personagem inseguro, ele só percebe que ama Capitu quando ouve a fofoca de
José Dias, que é exatamente o que desencadeia esse sentimento dentro dele.
Quando Bentinho ouve a conversa entre o “agregado” e sua mãe, pela primeira vez
se dá conta de que o sentimento que nutre por sua vizinha é o amor.
O
que justamente intriga Bentinho do começo ao fim é a dúvida. Em seu íntimo, ele
não entende o que Capitu viu nele, não entende porque ela se apaixonou por ele,
mas o fato é que, quando Bentinho se descobre apaixonado por ela, ela já estava
apaixonada por ele. Prova disso é que quando ele chega em sua casa, ela está
riscando seu nome no muro. De uma perspectiva masculina, temos a impressão que
foi ela que seduziu Bentinho, com seus belos “olhos de ressaca”, porém, o fato
é que Capitu já estava seduzida por Bentinho. Quando o livro começa, ela já
sabia disso, e ele não.
A
principal questão do livro, abordada com suprema sutileza, é a dúvida sobre o
adultério de Capitu. Após a morte de seu grande amigo Escobar, Bentinho começa
a desconfiar de Capitu, que aparentemente demonstra uma tristeza exacerbada e
um estranho olhar durante o velório do colega. Vários fatos que Bentinho começa a analisar
passam a contar contra Capitu, mostrando que ela realmente pode ter o traído.
E é
aí que mora o grande encanto da narração de Machado/Bento, afinal, como só
podemos contar com um ponto de vista, o texto nos conduz a uma determinada
leitura, que vai dando todos os indícios de que Capitu é realmente culpada. Mas
se ela é, ou não, cabe a cada leitor decifrar essa charada do modo como lhe for
mais conveniente.
Machado
de Assis coloca o leitor no papel desse decifrador de charadas, tentando criar
uma consciência e tirando-o de uma leitura “cômoda” onde tudo é dado pronto.
Ele busca um leitor que não se acomode nas aparências, que vá em busca de um
conteúdo, desconfiando do óbvio.
A forma com que Machado de
Assis constrói, paulatinamente, o ciúme delirante de Bento, faz com que, a
partir desse ponto, nos sintamos completamente perdidos, ponderando sobre a
verdadeira culpa de Capitu. Não podemos mais contar com um narrador “lúcido”
que conta os fatos de forma confiável, já que ele está tomado por tal crise
delirante que tudo pode contar contra Capitu.
Bentinho é um personagem
inseguro, fraco. Ele lamenta não ter a fúria de Otelo. Mesmo desesperado, com
tantas dúvidas a respeito de Capitu, ele não tem ao menos a coragem para se
separar dela e assumir isso. Ele passa a viver em função das aparências. Enquanto
Capitu fez parte de sua vida, ele viveu. Quando Capitu partiu, ele se
transformou em um morto-vivo, não tinha mais nenhuma fúria, nenhuma coragem,
nenhuma razão para seguir em frente.
Bibliografia:
ARRUDA,
Mariana do Nascimento. Brincando com Bentinho: Dom Casmurro e a Psicanálise,
Trabalho de Conclusão de Curso, PUC -SP, Faculdade de Psicologia, 1996
MONTEIRO,
Valéria Jacó. A Verdade Fal(h)a no Casmurro Dom de Machado, Dissertação
de Mestrado, PUC –SP, 1996
Um comentário:
Lindo, menina, lindo mesmo. Parabéns!
Postar um comentário