segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A garota dos olhos de ressaca e o Monstro dos olhos verdes


O texto de hoje é dedicado a todos os apaixonados pela história de Bentinho e Capitu, àqueles que, assim como eu, também foram arrastados pelas páginas desse romance com a “força que nos arrasta para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca”. 

Um dos meus livros favoritos, Dom Casmurro de Machado de Assis, foi publicado pela primeira vez em 1899, e é um romance realista de extrema importância para a literatura nacional. Dividido em 148 pequenos capítulos, o livro é narrado em primeira pessoa, o que faz com que o leitor se conecte ainda mais profundamente com o personagem central.


Machado de Assis conduz com maestria um texto completamente metalinguístico, construindo uma narrativa em que o personagem-narrador conversa diretamente com o seu leitor. 

A intensidade dramática do ciúme faz dele um tema atraente para diversas obras literárias. Em Dom Casmurro, o sentimento é o tema principal, que costura todas as ações.


Dom Casmurro não é apenas um livro sobre uma mulher. Capitu é uma mulher vista através dos olhos de um homem ciumento. O leitor não sabe nada sobre Capitu a não ser pela narrativa e fantasias de Bentinho, assim, ela permanece inacessível para nós.


Bentinho é um personagem inseguro, ele só percebe que ama Capitu quando ouve a fofoca de José Dias, que é exatamente o que desencadeia esse sentimento dentro dele. Quando Bentinho ouve a conversa entre o “agregado” e sua mãe, pela primeira vez se dá conta de que o sentimento que nutre por sua vizinha é o amor.



O que justamente intriga Bentinho do começo ao fim é a dúvida. Em seu íntimo, ele não entende o que Capitu viu nele, não entende porque ela se apaixonou por ele, mas o fato é que, quando Bentinho se descobre apaixonado por ela, ela já estava apaixonada por ele. Prova disso é que quando ele chega em sua casa, ela está riscando seu nome no muro. De uma perspectiva masculina, temos a impressão que foi ela que seduziu Bentinho, com seus belos “olhos de ressaca”, porém, o fato é que Capitu já estava seduzida por Bentinho. Quando o livro começa, ela já sabia disso, e ele não.

A principal questão do livro, abordada com suprema sutileza, é a dúvida sobre o adultério de Capitu. Após a morte de seu grande amigo Escobar, Bentinho começa a desconfiar de Capitu, que aparentemente demonstra uma tristeza exacerbada e um estranho olhar durante o velório do colega.  Vários fatos que Bentinho começa a analisar passam a contar contra Capitu, mostrando que ela realmente pode ter o traído.


E é aí que mora o grande encanto da narração de Machado/Bento, afinal, como só podemos contar com um ponto de vista, o texto nos conduz a uma determinada leitura, que vai dando todos os indícios de que Capitu é realmente culpada. Mas se ela é, ou não, cabe a cada leitor decifrar essa charada do modo como lhe for mais conveniente.



Machado de Assis coloca o leitor no papel desse decifrador de charadas, tentando criar uma consciência e tirando-o de uma leitura “cômoda” onde tudo é dado pronto. Ele busca um leitor que não se acomode nas aparências, que vá em busca de um conteúdo, desconfiando do óbvio.

A forma com que Machado de Assis constrói, paulatinamente, o ciúme delirante de Bento, faz com que, a partir desse ponto, nos sintamos completamente perdidos, ponderando sobre a verdadeira culpa de Capitu. Não podemos mais contar com um narrador “lúcido” que conta os fatos de forma confiável, já que ele está tomado por tal crise delirante que tudo pode contar contra Capitu.

Bentinho é um personagem inseguro, fraco. Ele lamenta não ter a fúria de Otelo. Mesmo desesperado, com tantas dúvidas a respeito de Capitu, ele não tem ao menos a coragem para se separar dela e assumir isso. Ele passa a viver em função das aparências. Enquanto Capitu fez parte de sua vida, ele viveu. Quando Capitu partiu, ele se transformou em um morto-vivo, não tinha mais nenhuma fúria, nenhuma coragem, nenhuma razão para seguir em frente.


Bibliografia:

ARRUDA, Mariana do Nascimento. Brincando com Bentinho: Dom Casmurro e a Psicanálise, Trabalho de Conclusão de Curso, PUC -SP, Faculdade de Psicologia, 1996

MONTEIRO, Valéria Jacó. A Verdade Fal(h)a no Casmurro Dom de Machado, Dissertação de Mestrado, PUC –SP, 1996

domingo, 10 de junho de 2012

Judy Garland e Ana Aurora Conde Mariano - a trajetória de duas estrelas!


Se fosse viva, a atriz e cantora, Judy Garland completaria hoje 90 anos. Exatamente a mesma idade que a minha bisavó, Ana Aurora Conde Mariano, tem. Judy Garland nasceu no dia 10 de Junho e Vovó no dia 21 Janeiro. Entre elas, apenas uma distância de 5 meses e alguns quilômetros... 
Judy nasceu e cresceu na pequena cidade de Grand Rapids, em Minnesota, e Vovó Ana nasceu em Sorocaba, interior de São Paulo, alguns dias antes da lendária Semana de Arte Moderna, em 1922. 

Judy Garland (centro) e suas duas irmãs – 1925                       







                           
   Vovó Ana e seus irmãos - 1926


Duas estrelas, uma que dedicou sua vida aos palcos e grandes musicais da MGM, e a outra que sempre se dedicou, inteiramente, a ajudar as pessoas. Talvez essa seja uma das grandes diferenças entre elas. A força da Vovó sempre esteve, e ainda está, no seu amor incondicional pelas pessoas. Familiares ou não, Vovó sempre esteve disposta a conceder a todos, seu tempo e sua atenção. Desde os 11 anos já ensinava o be-a-bá, matemática e corte e costura, pra quem quisesse e precisasse.

Já Judy era frágil, desde muito pequena estava sob os holofotes. Seu pai era cantor, sua mãe pianista, e juntamente com suas duas irmãs, Judy cresceu em um ambiente de badalação e fama. Com apenas três anos subiu ao palco pela primeira vez, invadindo um número musical de suas irmãs mais velhas. Encantou a plateia cantando Jingle Bells.
Talvez toda essa super atenção a tenha feito perder o controle. Quando foi contratada pela MGM, com apenas 13 anos, o estúdio se viu sem saber o que fazer com uma adolescente baixinha e gordinha, porém com uma linda e poderosa voz de mulher. Assim que seu rosto se tornou mundialmente conhecido, com a grande repercussão de um de seus maiores sucessos, "O Mágico de Oz", logo começou a pressão para que ela perdesse peso, e foi assim que ela começou a se envolver com drogas e remédios. 

Judy Garland, recém contratada pela MGM, aos 13 anos (1935)       
Vovó Ana também se arriscava na música, era uma mocinha esbelta e alegre, quando acompanhava seu pai, Vovô João, nas rodas de violão, cantando e assobiando, como um passarinho. Porém, quando sugeriram que ela fizesse um teste para cantar no rádio, logo recusou! Era mulher direita! Não era dessas, que se pintam de rouge, e cantam para seduzir os homens!

Talvez se Vovó e Judy tivessem sido amigas, Vovó tivesse se tornado uma grande cantora de rádio... ou Judy uma exemplar dona de casa! 

             
             Vovó Ana, aos 12 anos, recebendo seu diploma. (1934)

Enquanto a carreira de Judy Garland decolava, seus problemas também aumentavam. Logo no início dos anos 40, sua dependência das anfetaminas e remédios para emagrecer começaram a afetar seu desempenho, atrasando gravações e criando problemas para o estúdio.

Vovó Ana também teve sua adolescência e boa parte de sua vida adulta bastante atribulada. Com 10 anos foi atropelada por um caminhão, e sobreviveu milagrosamente. Daí em diante, sofreu durante muitos anos as consequências desse acidente. Sua cabeça foi bastante atingida, e Vovó passou a ter problemas psicológicos, os quais, principalmente naquela época eram extremamente misteriosos para os médicos, que a prescreviam sessões de choques elétricos. A verdade é que, com sua fé e força de vontade admirável, Vovó acabou superando grande parte desses problemas por conta própria. 

Judy (centro) e suas irmãs, em 1942.                                       
 Vovó Ana, por volta de 1945.

Foi nessa época que Judy Garland teve suas primeiras decepções amorosas, seu primeiro casamento com o músico David Rose durou apenas dois anos. Sua primeira filha, Liza Minelli, é fruto do seu segundo casamento, com o diretor cinematográfico Vincente Minnelli. Já seus outros dois filhos, Lorna e Joey Luft, vieram do casamento com o empresário Sidney Luft, seu terceiro marido. Ao longo de sua vida, Judy se casou cinco vezes.

Vovó Ana, por outro lado, teve apenas um grande e verdadeiro amor durante sua vida. Casou-se com o Vovô Décio em fevereiro de 1939. Continuaram casados e verdadeiramente apaixonados até o final, em 2007, quando Vovô faleceu. Um casamento que durou 68 anos. Juntos tiveram três filhos, Iolanda, Pedro e Carlos.

Segundo casamento de Judy,  com Vincente Minelli, em 15 de Junho de 1945.       
                                                                                                                                                                          








                                            

Casamento da Vovó Ana e do Vovô Décio, em 25 de Fevereiro de 1939
Judy morreu em 1969, com apenas 47 anos, por consequência de uma overdose acidental de remédios e bebidas alcoólicas.

Nessa mesma época, Vovó Ana ainda estava, praticamente, na metade de sua vida!

Quando eu nasci a Vovó Ana tinha 65 anos. Tenho as mais doces lembranças de muitas manhãs de sábado! Das aulas de bordado, do almoço delicioso, preparado com tanto carinho, com aquela polentinha que nunca faltava! Quantas vezes colhemos flores no jardim do quintal e eu me imaginava "passeando na floresta, enquanto Seu Lobo não vem"! Na horta sempre tinha tomatinho, couve, e aquela folha cheirosa de hortelã!

Vovó Ana, super charmosa, em 1981
As histórias e momentos da Vovó Ana se manterão vivos para sempre, no coração de cada pessoa que a conheceu e teve o privilégio de conviver com ela.


Assim como o legado de Judy, que permanecerá na mente e no coração dos fãs do cinema e da boa música. Sua voz, na minha opinião, é uma das mais belas da história do cinema. A maioria de seus filmes são divertidos, leves e com temáticas descompromissadas. Diferentemente de sua vida.


Admiro muito essas duas mulheres. Cada uma de uma forma peculiar. Tão semelhantes na delicadeza, e na beleza e ao mesmo tempo tão diferentes. Duas mulheres poderosas, graciosas, engraçadas, enfim, especiais. As duas ficarão marcadas para sempre em mim.

Judy continuará viva em seus personagens, eternamente. E a Vovó Ana ainda está aqui conosco, alegre e positiva, mesmo depois de todos os baques da vida. 

Sortuda mesmo sou eu: fã de Judy Garland e bisneta de Ana Aurora Conde Mariano!

Eu e Vovó, em 1989...

                                                              ...e em 2012!
                                                      











(Informações e fotos de Judy Garland retiradas do livro “Judy Garland – Primeira Biografia Completa – David Shipman”)


terça-feira, 13 de março de 2012

The Employment

Submersos nessa eterna lassidão, não nos damos mais conta do que temos feito, e do que a sociedade tem feito de nós. Simplesmente seguimos.
Quando foi que viver deixou de ser mistério e brisa, e passou a ser rotina e sufoco?
Quero mais sons e menos barulhos.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Garoto-Paradoxo

Ele queria engolir o mundo inteiro, de uma só vez. Mas logo teve que aprender a contentar-se com as doses homeopáticas , que lhe eram oferecidas, dia após dia. Doses, que ia absorvendo, cada gota, sedento por mais.

Enquanto possuia apenas um lago sabia administrá-lo bem. Nunca sentia sede, ou afogava-se.

Depois que descobriu o oceano, frequentemente sente a boca seca ou perde-se em sua imensidão. A certeza de que nunca vai possuir todo o oceano faz sua sede cada vez maior. A curiosidade de enfrentar novos mares bravios, descobrir novos espécimes que o habitam e novos sabores ali guardados, o impulsiona a continuar.

São tantas as possibilidades. Estranhos seres com os quais tenta comunicação. Por vezes tornam-se melhores amigos, outras, continuam apenas conhecidos, e, por mais que tentem, nunca conseguem entender-se.

Quanto mais distribui, mais lhe brota. Quanto mais preenche, mais espaços vazios lhe surgem.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

And the Oscar goes to...

Apesar de ter assistido apenas três dos nove indicados a melhor filme do Oscar 2012, "O Artista" já é um dos meus favoritos! A produção franco-belga foi indicada em 10 categorias, entre elas "melhor filme", "melhor ator" e "melhor roteiro original".

Logo nas primeiras cenas, me senti assistindo uma releitura do clássico "Cantando na Chuva". O momento é o mesmo, a trama do filme é a mesma: a transição do cinema mudo para o cinema sonoro, em meados do final da década de 1920. O mundo do cinema ganhou voz, mas muitos atores - assim como aconteceu com Chaplin - acreditavam que a força do cinema estava na pantomima. O protagonista continua imerso em seu mundo silencioso, e assim continua também o espectador, que o acompanha nessa trajetória.


A história em si não é nenhuma novidade, o roteiro me pareceu quase uma mistura dos filmes "Cantando na Chuva" + "Nasce uma Estrela". A conhecida história do ator famoso que ajuda uma novata em sua ascensão ao estrelato, e a novata acaba eclipsando completamente a carreira do renomado ator, o qual, depressivo, vai à bancarrota. Eficaz.

A grande sacada desse filme, porém, é a iniciativa de resgatar e reverenciar os grandes astros e filmes do passado.
Além disso, numa época atribulada e excessiva como a que vivemos, é maravilhoso e necessário apresentar ao espectador contemporâneo, acostumado com efeitos especiais mirabolantes, um filme mudo, um roteiro simples, direto e alegre.

Vivemos em um mundo de relações saturadas, sentimos que tudo já foi feito, e sabemos o que esperar do cinema. Por isso, é quase um alívio não ter que ouvir o que já conhecemos de cor. Somos o público ideal para o silêncio, o público que sabe, mesmo sem ouvir, exatamente o que os atores estão falando. O público que clama por um pouco de inovação.



O filme é como um sopro de vida, nos mostra como tudo pode ser mais simples e natural. É uma deliciosa homenagem aos fãs do cinema clássico, e um excelente convite para aqueles que ficarem curiosos para descobrir os encantos da era de ouro de Hollywood!