segunda-feira, 1 de julho de 2013

A Magia da Repetição

Hoje quero dividir com vocês a experiência que tive trabalhando alguns dias na produção do mega espetáculo Cirque du Soleil - Corteo, que está em cartaz em São Paulo até o dia 21 de julho, no Parque Villa Lobos. 
O espectador que senta-se confortavelmente, com a sua pipoca, sob a grande tenda branca (conhecida internamente como "big top") e desfruta as duas horas de magia do belíssimo espetáculo Corteo, não tem noção do trabalho cansativo e repetitivo de toda a produção envolvida. 


A equipe da qual eu fiz parte, juntamente com a minha querida amiga Vivi Tonheiro (que foi a grande "culpada" de tudo isso!) é conhecida como "Ushers". Na prática, éramos responsáveis por um pouquinho de tudo, desde verificação de ingressos, até abertura de cortinas dos artistas - e muita (mas muita mesmo!) "resolução de pepinos circenses" no meio do caminho.

Uma das coisas que eu mais gostava de fazer era "assistir" o backstage, enquanto o espetáculo acontecia. Uma profusão de artistas que passavam correndo, atentos a sua entrada no palco no momento exato. 
Um gigante ofegante, seguido de um casal de anões. Uma dúzia de anjos azuis e brancos, que passavam correndo, deixando suas plumas pelo caminho. Malabaristas carregando bambolês e candelabros. Atletas sem fôlego, que há poucos segundos, no palco, voavam de mãos em mãos, há vários metros de altura do chão. Bailarinas deslizando com incensários. O aroma que as precedia vai ficar marcado na minha memória olfativa por muito tempo. Palhaços e princesas, Romeu e Julieta, um mundo de cores e formas desfilava perante os meus olhos, diariamente. 


Alguns artistas passavam por mim como se eu não existisse. Outros, mesmo que passassem por mim 15 vezes, em todas as 15 vezes me diziam um simpático "bonne nuit!" ou "buonanotte" ou "good night", e alguns ainda arriscavam um "boua noitche", sempre com um sorriso no rosto.
Um deles, aliás, me pregou pelo menos uns dois sustos, enquanto eu estava distraída olhando para o palco. Soube depois, conversando com os outros "ushers", que aquele artista era famoso por pregar sustos nos desavisados!


A comunicação interna entre os artistas e a produção era tão insana que uma língua nova parecia surgir em alguns momentos. 
Uma mistura de inglês com as mais variadas línguas. O elenco do Cirque du Soleil conta com artistas de mais de 40 nacionalidades. Sendo três deles brasileiros. 

Curioso também era comparar as reações das plateias. Alguns atos eram sempre infalíveis. Por exemplo, havia um ato no qual o personagem principal, Mauro, relembra um momento de sua infância, jogando bola com uma artista marionete. No momento em que o artista diz que o time da boneca é o "Corinthians" e o dele é o "Inter de Milão", a platéia sempre ia ao delírio. Sempre! A única diferença era a quantidade maior ou menor de vaias e aplausos. 
Já alguns outros atos, como, por exemplo, o Little Horses (no qual um par de cavalos pantomímicos, ambos habitados por dois artistas cada, faz uma pequena cena cômica) sempre fazia mais sucesso com as crianças, sendo assim, as sextas e domingos à tarde costumavam ser seu momento de glória. Nos outros espetáculos, esse ato costumava receber pouco entusiasmo da platéia.



A mudança de energia de uma platéia para outra também era algo perceptível e quase palpável! Havia espetáculos em que a energia do público e dos artistas se completava de uma forma mágica, como que em uníssono, criando momentos lindos, únicos e espontâneos. E, outras vezes, a platéia estava tão insossa que, incrivelmente, bambolês caiam, artistas tropeçavam,  e alguns momentos "engraçados" ficavam sem vida e sem cor. 

Mas uma das coisas que mais me surpreendeu foi sentir a rotina de repetição desses artistas. Extremamente disciplinados e acostumados com essa vida, cada um deles repetia exatamente cada movimento e respiração, meticulosamente, a cada espetáculo. 
Nos dias em que tínhamos dois espetáculos, com apenas poucos minutos de intervalo entre um e outro, essa repetição era ainda mais evidente e assustadora. 
Tudo funcionava como uma grande engrenagem. Abríamos a casa. Os clientes entravam, sentavam. Começávamos a repetir eternamente que era "proibido tirar fotos dentro da tenda..." e que "não, infelizmente ninguém pode sentar fora do local marcado no ingresso. Sim, mesmo que a cadeira estivesse vazia....".
O espetáculo começava. Os artistas começavam a passar atrás das cortinas, repetindo sempre seus mesmos movimentos e rituais. Uma das anjinhas sempre passava fazendo alongamento. Um dos malabaristas sempre passava fazendo "high five" com seus companheiros de palco. Um dos músicos sempre voltava e ficava espiando pela cortina.  O artista do penúltimo ato sempre aparecia de roupão preto, ficava espiando os números anteriores, até que, em certo momento, saia correndo, desenfreadamente. A artista do ato da corda bamba sempre ficava uns 5 minutos parada atrás das cortinas, quieta, com o olhar parado...


Foram experiências como essas e muitas outras que eu vivenciei sob as lonas desse circo! O belo cortejo do Cirque de Soleil passou rápido pela minha vida, mas com certeza ficará marcado em mim para sempre!

Um comentário:

Diego G. disse...

Acho que aquele texto do Waltinho que eu te mandei sobre a reprodutibilidade técnica vai te dar mais gamas pra analisar essa tua fantástica experiência. Há algo no circo que faz você desconfiar que a realidade fora da lona é uma matrix muito malfeita. =D